terça-feira, 1 de janeiro de 2013

UM MATE A DOIS

Existem momentos tão simbólicos quanto estereotipados para retratar a celebração do amor entre duas pessoas – ou, pelo menos, de uma parceria boa, sem maiores envolvimentos. Ou então, para dar alguma cor à resignação de uma convivência morna e a mútua tolerância.

Entre os clichês do manual “Para curtir a dois”, há o indefectível jantar à luz de velas, o brinde com champanha sob o luar, pétalas de rosas sobre a cama, potinhos com velas coloridas e aromáticas espalhadas pela casa enquanto os dois se deliciam com aquele tinto especial antes do “vamos ver”, etc, etc...

Há também algumas bizarrices, mas isso é outra história.

Há ainda os que se satisfazem com um passeio no shopping, e um presentinho bem meia-boca celebrado depois na lambança de um Big Mac. Cada um, cada um. Ou cada dois.

Mas há outro momento (não é exatamente glamouroso, admito), mas, para alguns, como eu, tão poderoso no seu simbolismo quanto um passeio às margens do Sena na primavera – isso se o relacionamento é verdadeiro e minimamente dedicado.

É o mate a dois numa manhã de domingo.

Cabelos desgrenhados, olhos ainda meio inchados, caras um tanto amassadas, bocejos em série...

Dois corpos largados felinamente no sofá, metidos em surradas, mas deliciosamente confortáveis roupas de dormir – nada é mais confortável que aquela velha camiseta tamanho GG meio furadinha, mas macia e quente como um berço!

Música suave soando baixinho pela sala, e diálogos que vão se criando aos poucos, conforme a preguiça vai cedendo ao ânimo despertado pelas primeiras roncadas na cuia.

No começo, é um papo quase monossilábico. Que pode durar um tempão, intercalado pelo silêncio dolente entre um mate e outro. Afinal, pressa pra quê? É uma manhã de domingo depois de uma agradável noite de corpos colados na cama.

Melhor ainda, claro, se for depois de uma noite caliente...

O que importa é que, naquele momento, que pode não ter lá muito charme, paire sobre os dois aquela verdadeira comunhão que só conhece quem valoriza estas situações.

Da rua, vem às vezes um latido longínquo, um que outro sabiá piando na vizinhança, vozes isoladas de crianças traquinas, o rolar esporádico de pneus no asfalto.

E ali no sofá, a cuia passa de uma mão para outra, levando no bocal dourado o gosto e o calor das bocas que há pouco se tocaram sonolenta e suavemente ainda nos travesseiros.

Na paz daquela sala com sossego de templo budista, falam sobre tudo e sobre nada, impressões sobre um filme, uma notícia qualquer na capa do jornal dominical recolhido no capacho da porta de entrada, e que virou uma bagunça de páginas espalhadas no tapete.

Bocejos, agora mais espaçados, pontuam as falas já mais desenvoltas. A preguiça vai dando lugar a uma ainda renitente vontade de fazer alguma coisa, mas...

A cabeça sucumbe e pousa, quase desabando, sobre o ombro ao lado... O corpo, que parecia ganhar disposição, se rende de novo à gostosa letargia desta manhã de domingo.

E as roupas rotas e macias de dormir novamente se fundem no sofá, no silêncio daquela celebração tão viva.

Os dois, à deriva naquela assumida e teimosa modorra, só precisam de mais um mate, e mais um...

Melhor que isso, só se tiver uma chuvinha fina lá fora.
Aí então, fica uma beleza!

Mas viver o paraíso desta moleza cúmplice impõe algum sacrifício...

E agora? Quem vai até a cozinha esquentar mais água?

 

 

2 comentários:

  1. Sem saber me deste um presentão de aniversário.. teu texto me emocionou de uma forma.. não sei te dizer se essa "moleza" não é coisa da idade, não me lembro de emocionar assim tão fácil, mas faz tempo que não leio algo assim tão bom... de uma forma ou de outra é nítido o teu dom... obrigada por compartilha-lo. bjão

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    1. Fico muito feliz que meu texto ficou ganhou a estatura de de um presente de aniversário pra ti! Beijo!!

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