quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O JUIZ NO ESPELHO



Um tanto atrapalhado, tento organizar anotações, aleatórias e acumuladas. 
E acabo olhando atravessado, fazendo cara feia, para os docs bancários sobre minha mesa de trabalho, no quarto, junto à janela castigada pela chuva.  

Ficam ali o tempo todo à espreita, sorrateiros, teimosos, tentando atrair uma visada furtiva e contrariada do meu canto de olho.

Aquela papelada insidiosa repousa desordenada e inquieta sobre as anotações onde listei, com garranchos desdenhosos, as pendências que esperam há tempos pela minha atenção e ação.

No mesmo instante, dispara na cabeça um alerta nervoso e irritante, martelando impiedosamente os compromissos que precisam ser enfrentados: pagamentos atrasados, negociações por retomar, dinheiro a buscar sabe Deus onde...

Diante do computador, no ambiente à meia luz, com a cara azulada pela tela e os olhos esgotados, amaldiçoo as circunstâncias e me penitencio como vítima das tramoias do destino.

Me vejo caminhando pelo corredor dos condenados, rumo ao cadafalso, empurrado aos trancos por carcereiros fantasmas, que riem sarcásticos.

Eles sabem porque estou ali.

No percurso sinistro, arrasto os pés murmurando minha pretensa inocência, rosnando impropérios contra os agentes do destino que acuso de serem os artífices da minha desgraça.

Meus passos pesam com os grilhões que – vou percebendo - eu mesmo  aferrei, ano após ano. E a cada metro percorrido, vou passando do papel de vítima para o de acusador.

É como se a proximidade do fim fosse revelando, aos poucos, a sequência  de equívocos que começou a ser armada lá atrás, sabe lá quantos anos.
Um enredo que costurou mil desventuras financeiras e emocionais, e assim abriu caminho para seus infinitos e dolorosos desdobramentos.

Escolhas impensadas, cálculos inverossímeis, projeções inviáveis e expectativas tão ilusórias quanto inconsistentes.
Planos engendrados com a concentração de um autista e precisão de um atirador míope.

- Não adiantou desviar o olhar do canto onde está a papelada...

Virando para o lado, caio numa armadilha: o espaço vazio perto da tela  denuncia a ausência da foto dela, expulsa do meu campo de visão há algum tempo.

Mais que a saudade da relação que ruiu, descubro que a marca deixada pela moldura no pó daquele canto é outra assinatura incontestável dos meus atos. Um sinal a reforçar o apelo da papelada do outro canto, que segue me espezinhando!

Passos mal dados geram tropeços e tombos perigosos no Banco, e no coração.  É fácil escolher negócios furados e pessoas erradas. É fácil projetar investimentos ilusoriamente atraentes, ou se deixar levar por paixões previsivelmente frustrantes.

Além disso, os disparos imprecisos em alvos incertos ao longo da vida geram efeitos colaterais, ferindo inocentes ao nosso redor.
A família e amigos acabam engrossando a lista das vítimas.  

Bem, a fatura sempre chega. E muitas vezes não há chance de renegociação. É prejuízo total mesmo. E punição. Crime e castigo.

Vem então a hora em que a gente sente a aspereza da corda raspando ardidamente no pescoço. E percebe que o caixote sob os pés balança ameaçadoramente.

Haverá um perdão salvador no último segundo, antes que o verdugo chute o caixote?  Quem vai comutar a pena que você bem sabe como e porque foi decidida? Que magnânimo magistrado recuaria na decisão, no momento derradeiro, diante de tantas provas?

O único juiz ungido para esta façanha está agora refletido no espelho que se formou ao apagar da tela do computador.  

Uma imagem turva, obscura - mas ao mesmo tempo, suficiente e implacavelmente nítida.
O vulto da única face capaz de reverter o veredito.

Mas a clemência tem preço: redenção, só pela verdadeira consciência.

E bato o martelo. Que a vida recomece.


2 comentários:

  1. Creio eu, meu caro, que nunca saberíamos o porque de algo se não tentássemos. O sabor e o des-sabor só se concluem para quem as vivencia...
    Tudo tem 50% de chance de dar certo.. e se optássemos por não escolher.. ainda sim, seria uma escolha...
    Agradeça ao seu passado e reverencie o seu presente... o futuro, nem a nós pertence...
    No demais.. só te desejo BOA SORTE!

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  2. É exatamente isso, minha querida Montanha. São as tais escolhas, encruzilhadas,apostas, etc, que a gente encara durante a vida. E para os tipos instintivos, impulsivos e pouco pragmáticos, como eu, estes momentos são sempre mais arriscados, pois geralmente as decisões vem com o coração, que nem sempre é um bom conselheiro. Beijo!

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