segunda-feira, 15 de abril de 2013

MENOR INFRATOR?

 
Diga aí um único argumento sensato e consistente para que não se reveja a questão da maioridade penal!
 
Não sou jurista, e certamente haverá mil argumentos e filigranas forenses que impeçam a correção desta anomalia que é a permissividade e a irresponsabilidade com que esta nação trata a questão dos menores criminosos!
 
Criminosos SIM, pois este papo de "menores infratores" é pra quem não teve revólver na cabeça nem viu seus filhos sob a mira de algum destes alucinados com menos de 18 anos, que sabem muito bem o que fazem.
 
Vivemos uma situação tão vergonhosamente bizarra que a própria imprensa é obrigada a dizer que um menor assassino de 5, 6 ou mais pessoas é "apreendido", e não "preso", como qualquer criminoso comum.
 
E vai não para a cadeia, e sim para uma "instituição" onde passará por um "processo de ressocialização e reinserção", o coitadinho...
Ao completar 18 anos, estará livre de novo, como se automaticamente tivesse sido transformado num cidadão responsável e respeitador, pela instuição deturpada e deteriorada fisica e moralmente, como todos sabemos.
 
Isso é revoltante, é ultrajante, é um escárnio para com a sociedade.
 
E não adianta os sociólogos de boteco virem com o papo de sociedade injusta, que os menores são filhos de uma situação de desajuste, blá, blá, blá. Ok, isso é fato tbém.
 
Mas o fato que se sobrepõe é que estes criminosos estão vivendo sob um guarda-chuva de impunidade patrocinado pela própria nação, que os torna assassinos calculistas, que premeditam os mais horrorosos crimes sabendo que não terão a justa punição.
 
E ainda tripudiam de nós com suas armas engatilhadas e olhares frios e ensandecidos.
Ok, não vai faltar quem ache este discurso coisa de reacionário, conservador, direitista etc, etc.
 
Que bom. Pois quanto mais gente (que pense este tema como eu) merecer estes adjetivos, talvez tenhamos alguma chance de mudar esta situação insustentável.
 
 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

ORA POIS, ESCREVEI!


É divertido brincar com a palavra.

- Inclusive abusando do tom solene e luso do título!

Faz de conta que Pessoa ou Eça – ô santa pretensão - estão a  te guiar a pena.

Ora pois, arma-te de caneta e papel, e diverte-te!

Tece a trama, desafia a métrica, garimpa rimas e fonemas..

Forja a intenção de desejos com letras encaixadas cuidadosamente - ou ao léu mesmo...Viaja!

Ninguém precisa ser escritor tarimbado, jornalista ou filósofo.

Convém, claro, ser minimamente digno com as regras da escrita.

Mas, ainda que te falte o vernáculo, escrevei!

Se a coisa travar, sempre poderás chamar o Aurélio ou o Google...

Cecilia Meireles escreveu, e  Fagner gravou: “Eu canto, porque o instante existe, e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste, sou poeta.”

Poesia, crônica, romance, ficção, lamúrias ou exaltações, o que for!

Pega teu instante e trata de completar a tua vida, nem que seja por breves momentos rabiscando matutações!

Escrevei!!

E faz da palavra tua ação.

Ainda que ninguém jamais leia o que escreveste, escrevei!

Bastará que as linhas vertam a ti mesmo e te revelem, te levem onde for!

Que sejam traços quase garranchos, rabiscados no papel ou na areia.

Que sejam atos contritos ou exultantes, que não confiamos ao risco da viva voz...

É, tem horas em que disfarçamos a covardia em versos, como quem dá o tapa e esconde a mão. 

A palavra escrita é refúgio tentador para quem não ousa dizer olho no olho o que sente, de bom ou de ruim...

É também, muitas vezes, mais eficiente que uma voz hesitante, trêmula de ansiedade, vergonha ou medo.

Nas relações amorosas - ou na intenção disso - funciona no mínimo como um artifício para driblar a falta de ímpeto, o receio de errar a mão, a insegurança que é quase um pânico. 

Então, escrevei!

Quantas vezes uma carta, um bilhetinho num pedaço de guardanapo ou um e-mail não abriram caminho para uma performance melhor “ao vivo”, mais adiante, já com a auto-confiança um pouco restabelecida pela ousadia escrita que antecipou a intenção e a ação?

As letras podem ser um excelente interlocutor, um confidente inestimável.

O papel em branco se faz confessionário, se faz bálsamo – e vira até juiz, quando nos submetemos ao júri da alma e do coração, tribunal indevassável que só permite o argumento na ponta da caneta e no discurso de nossas culpas, ou de nossas alegrias e virtudes, nas disciplinadas linhas paralelas do caderno ou no etéreo branco infinito e sempre tolerante do bloquinho de anotações.

Por essas e por outras, que é divertido brincar com a palavra – e perigoso também.

Então, arrisca-te!

Mas cuidado: nos sentimos encorajados diante do papel ou da tela do computador, mas podemos não estar prontos para o que vamos dizer.

Sim, porque o texto, ainda que a intenção seja dirigir para alguém, em primeiro lugar atinge a nós mesmos.

Abrir a primeira frase pode ser a decolagem para um vôo vertiginoso, ou um planar suave de gaivota ao entardecer.

Ou então, uma tentativa que nem sai do chão.

Abusando um pouco mais da metáfora aérea, voar montado nas letras pode ser uma aventura sedutora, de descobrimento, ou um grande erro com efeitos colaterais, dependendo de onde caírem as bombas que eventualmente levamos nesta missão.

E mais: corremos o risco voar como Ícaro, ascendendo plenos de confiança, para desabar fatalmente com as asas de cera derretidas no calor da nossa presunção.

Mas, apelando para Vinícius de Morais e comparando filhos com textos, “se não os temos, como sabê-los?”  

Então, escrevei!

Faz o parto das tuas dores e sonhos, faz o julgamento das tuas promessas e dívidas.

Faz linhas iluminadas, faz bobagens!

Faz teu retrato em sílabas, faz teu horizonte em frases engendradas pelo simples impulso de escrever... 

Vai!!

 

 

 

 

 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

AS GRANDES PAUTAS QUE FELIZMENTE NÃO COBRI


Uma das grandes frustrações que carrego como jornalista (pelo menos até agora) é não ter coberto uma guerra.

Os grandes conflitos, que representam a síntese da humanidade (e da desumanidade), tem algo de irresistivelmente atraente para jornalistas - em que pese toda a tragédia que envolve estes acontecimentos.

A história do mundo é pontuada e pautada pelas guerras, desde sempre. E para um jornalista de linha de frente, sentir o calor do front é algo sublime.

Não se trata de sadismo ou da morbidez atávica de todos nós. É simplesmente a oportunidade única de ser testemunha e relator de um momento histórico.

Isso, para jornalistas, não tem preço.

Já cobri eventos que muitos colegas mais afoitos classificaram como “cenário de guerra”.

Eu não ousaria tratar aqueles fatos assim, diante da dimensão e do significado de um conflito armado de verdade.

O curioso é que, embora nunca tenha estado em um campo de batalha, sinto que, para mim, o impacto de ver os mortos em combate não seria tão devastador como em outras situações, de amplitude muito menor, mas potencialmente  avassaladoras do ponto de vista da constatação da tragédia e da dor.

E, algumas vezes, fiquei muito feliz por não ter trabalhado em pautas de grande impacto jornalístico.

Como o incêndio que matou 12 crianças numa creche em Uruguaiana, em 2000.

Quando a notícia chegou à redação da RBSTV, me escalaram para a matéria. Mas eu já tinha saído da emissora, e a chefia de reportagem não conseguiu me localizar a tempo para me enfiar com a equipe num avião fretado. 

Em meu lugar, foi a repórter Luciana Kraemer, junto com o repórter cinematográfico Jair Alberto. Ambos, como eu, integravam o núcleo Rede Globo.

Se eu tivesse ido, teria feito a matéria com todos seus aspectos, como meus colegas fizeram, para todo o país. Mas certamente guardaria na memória para sempre a imagem das crianças carbonizadas, abraçadas umas nas outras num canto da sala calcinada. 

Uma lembrança terrível que jamais me abandonaria. Não seria um trauma, mas um fantasma incômodo a me perseguir insistente e eternamente, ainda mais que sou pai de duas filhas.

Depois que se tem filhos, a sensibilidade à morte muda dramaticamente. Antes, eu contemplava cadáveres mutilados com a naturalidade de um legista. Depois de ser pai, acidentes com vítimas ou chacinas envolvendo crianças e jovens passaram a me tocar muito mais. 

Como atualmente não estou vinculado a nenhum veículo de comunicação, não cobri o horror de Santa Maria.

O incêndio da Kiss rendeu uma pauta de impressionante repercussão mundo afora. Uma oportunidade rara para colegas experientes porem à prova sua capacidade de equilíbrio emocional e profissional, e de crescimento e amadurecimento pessoal para os novatos envolvidos na cobertura.

Mas certamente todos voltarão para casa marcados para sempre, por tudo que viram e pelos relatos dolorosos dos amigos, familiares e sobreviventes.

Como jornalista, talvez pudesse lamentar não ter tido a oportunidade de me envolver na cobertura de um fato de tamanho impacto.

Mas depois de ter testemunhado tanta dor e tristeza em quase 30 anos de profissão, desta vez me senti feliz por não estar mais ao alcance das escalas de reportagem.

Tal como na vez em que fui poupado pelo destino de ver as crianças de Uruguaiana.  E que agora me poupou de ver as jovens vítimas de Santa Maria, baixas da eterna, insana e inócua  guerra brasileira contra a irresponsabilidade e a impunidade.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A HORA É AGORA!


Enquanto o Brasil chora as mortes absurdas de Santa Maria, proliferam nas redes sociais e na mídia as manifestações de revolta com a insegurança das “casas noturnas”, a irresponsabilidade dos empresários e a inépcia das autoridades.

O clamor por justiça e providências se espalha com a velocidade das chamas e da fumaça venenosa que mataram em minutos 235 jovens – até agora.

A onda de indignação que corre pelo país traz uma salutar sacudida na nossa leniência.

Sim, somos todos culpados.

Somos culpados por só nos mobilizar quando o pior acontece, por deixar nossos filhos freqüentarem muitos destes lugares sem pensar no risco que eles correm.

Somos culpados por achar que os bombeiros são infalíveis em suas avaliações técnicas, e por acreditar que os tais alvarás concedidos pelas prefeituras são outorgas inquestionáveis, concedidas após draconianas análises de todos os perigos.

Os politicamente corretos que me perdoem, mas infelizmente, a nossa cultura não prima pelo amor à prevenção efetiva, aquela que sacrifica sem dó nem piedade o prazer, a diversão e até mesmo tradições, em nome da segurança absoluta e o respeito à vida.

Talvez um dia evoluamos para uma mentalidade mais pragmática, fria e justa.

Mas ainda somos inconseqüentes incorrigíveis, tolerantes com os riscos mortais que estão na nossa cara desde sempre.

Tudo porque até aquele momento não aconteceu uma tragédia como a de Santa Maria.

Tudo porque ainda não morreram os filhos de algum conhecido, ou os nossos.

Junto com a comoção geral, naturalmente exacerbada pela mídia, vem uma espécie de paranóia que deflagra um frenesí de cobranças por justiça, que não raro se transforma no que muitos gostam de chamar de “caça às bruxas”.

Tenho visto autoridades dizendo e se contradizendo, apelando para o chavão da fatalidade, desconcertadas com a pressão por respostas objetivas.

Tenho visto mil opiniões sobre o que deveria ou não deveria ter sido feito para prevenir o acontecido.

Cada brasileiro, que já era técnico de futebol, se tornou especialista em segurança da noite para o dia.

Uma avalanche de verdades esquecidas e bobagens rematadas nos inflama e nos confunde, a cada reportagem sobre as mortes na Kiss.

Vai se criando um clima que remete àquela imagem clássica da turba ensandecida com tochas e foices na escuridão em busca dos culpados.

E isso é tão ruim assim? É. Mas talvez nem tanto.

Talvez tenhamos que viver este turbilhão de emoções, de informações e desinformações, para extrair alguma lição perene desta história toda. 

É claro que neste ambiente tomado de indignação, os exageros crescem e potencializam a revolta oca, que cria o tumulto turbinado pelo clamor de justiça, mas gera mais estardalhaço que resultados efetivos e permanentes.   

Na mira da mídia, autoridades procuram demonstrar que, desta vez, vão consertar o que nunca deveriam ter deixado se deteriorar - culpando os antecessores e as falhas da lei, naturalmente; a população brada nas ruas as soluções que exige de uma vez por todas; a mídia segue o clima e dá sua contribuição de esclarecimento e confusão.
E o que sobra disso tudo?

Estamos vivendo um providencial teste para as nossas instituições.
 
Uma prova de fogo (desculpem o trocadilho inoportuno, mas não é hora de ser politicamente correto) para toda a sociedade.

Hora de arrancar o véu da conivência, hora de manter a mira nas soluções prometidas, especialmente quando a fumaça negra desta hora se dissipar e a vida voltar ao “normal”.

Muitos donos de estabelecimentos noturnos já protestam que estão sendo sacrificados pelo excesso de rigor instaurado no pós-tragédia, e talvez tenham razão, em alguns casos.

Mas a hora é agora.

Entre exageros e eventuais abusos e desmandos de fiscalização, há de nascer desta pressão toda uma nova mentalidade, que, mesmo incipiente, aponte uma nova cultura de respeito à vida.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

PERDIDO (poeminha de guri...)


Me perdoa se fui                                       (1981)

Um bocado acanhado

Pois acontece que o mal

Foi nunca ter amado

Do jeito que aconteceu

 

E me desgovernei

Tanto assim

Que ao parar pra pensar

Que tardei

Já não estavas mais aqui

E eu fiquei

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

EU VI A CARA DA MORTE, E ELA ESTAVA VIVA!


Li esta frase do Cazuza dia desses, e lembrei a ocasião em que ela me serviu perfeitamente.

Como jornalista há quase 30 anos, entrevistei criminosos de toda espécie, cobri assaltos, sequestros, rebeliões em presídios, tiroteios e outros momentos de tensão e violência em vilas e morros de Porto Alegre, e até no Complexo do Alemão, no RJ. Vi muitos cadáveres na guerra urbana entre lei e bandidagem.

Mas nada se compara ao momento em que o cano do revólver está a centímetros da nossa cabeça, na mão de um alucinado.

Foi em 1999. Começou muito rápido, como sempre é nestas horas.

Era um sábado à noite, por volta de 22h, em Guaíba.

Eu procurava vaga para estacionar numa rua próxima à casa noturna mais agitada da cidade, a OD Beer.

Fui convidado, como representante da mídia, como jurado de um concurso para escolher a garota da capa de uma publicação local, focada em acontecimentos da sociedade.

Era amigo do casal de colegas que organizou o evento.

Mas ninguém jamais me viu escolhendo a beldade da noite.

Manobrava o carro, e tive a impressão de ouvir um tiro perto dalí.

Em seguida vejo três rapazes com bonés enterrados correndo pela calçada á minha direita, vindos da direção da boate.

Mal deu tempo de juntar os fatos.

Quando pensei em sair dali, um deles correu na minha direção, de arma em punho, apontando pra mim.

Tentei sair do carro pra entregar ao assaltante, mas quando botei a perna pra fora ele me empurrou de volta pra dentro.

Abriu a porta de trás e se jogou ali aos berros. 

 - Anda, anda, arranca esta merda, cai fora daqui se não te estóro a cabeça, porra vamo, vamo, sai daqui com esta merda!!!!!

 Era a velha tática de neutralizar a vítimas metendo o pavor aos gritos e ameaças, apontando a arma e sem dar chance pra se dizer nada.

Acelerei e saímos dali.

- Anda porra, acelera, mete o pé nesta merda, vou te apagá, seu merda!!!!

Fui rodando em alta velocidade por ruas que não conhecia, seguindo um roteiro imposto histericamente pelo sujeito armado e enlouquecido no banco de trás.

Instintivamente, no meio daquela confusão toda, fui tentando organizar meus pensamentos e atitudes.

A primeira coisa que fiz foi tentar avaliar o estado psicológico do tipo, ou seja, se o sujeito que me apontava o revólver contra a cabeça estava doidão. 

Não sei de onde me veio todo este equilíbrio, mas foi assim que agi imediatamente.   

- Ok, ok, fica na boa, já estamos indo, - eu dizia nas pausas entre os gritos dele

Bandido chapado é completamente imprevisível. Age tresloucadamente e pode puxar o gatilho sem nenhum motivo, e sem se dar conta do que fez.

À medida que nos afastávamos do centro, ele passou a berrar menos. E dizia o tempo todo para eu não me virar, ou tentar vê-lo pelo retrovisor.

- Ô meu, não me olha, eu te queimo aqui mesmo!!

Para tranqüilizá-lo, virei o espelho para baixo, num ângulo que seria impossível enxergar qualquer coisa na parte de trás do carro.    

Pude notar que ele se acalmava aos poucos. Estava menos ofegante e irrequieto.

Tive a impressão que acomodou-se mais relaxado no banco de trás, pois eu não sentia mais a respiração dele perto de mim, nem a voz agressiva colada nos meus ouvidos.

Passou a falar menos. Mas queria saber sobre mim.

Eu era uma interessante vítima casual: estava bem vestido, de paletó e gravata, e dirigia um carro possante, um reluzente Golf que eu recém havia comprado, zerinho.

Respirei fundo e tomei a iniciativa da conversa.

Falei que faria o que ele quisesse, desde que não me agredisse e se mantivesse calmo. E que eu só queria voltar ileso para minha casa e minha família.

- Então fica na tua que não vai acontecer nada! Dirige aí e vamo nessa! - Rosnou o bandido, aboletado no banco traseiro.

Concluí que ele não estava drogado como eu temia. Ou pelo menos, não tanto. Não enrolava a língua, e articulava razoavelmente as palavras.

Me senti então mais seguro pra manter a iniciativa no diálogo.

Decidi tentar “ganhar” o cara no papo.

- Fica tranquilo aí atrás,  vamos resolver isso e tudo mundo fica numa boa.

Àquela altura, era só o que eu podia fazer pela minha segurança. Uma tentativa de manter, de alguma forma, o controle da situação.

Embora ele aparentasse estar menos agitado, e de não ter me agredido fisicamente em nenhum momento, nada daquilo era garantia de que as coisas não poderiam mudar de uma hora para outra.

Já tínhamos saído de Guaíba. Rumávamos agora para Porto Alegre, pela BR 116. Mantive uma velocidade constante, em torno dos 90 km/h.

Perto do pedágio, uma viatura da BM passa lentamente por nós. Pensei em mil formas de chamar a atenção, mas nenhuma delas me pareceu segura o suficiente.

De trás de mim, veio o aviso ameaçador:

- Fica frio, tu tá na minha mira...

Não havia mesmo o que fazer. Segui em frente, mantendo a velocidade. A viatura foi se afastando.

Melhor assim. Vou manter a cabeça no lugar e este cara sob “meu controle”, pensei.

Puxei conversa de novo, para dar a ele o perfil sobre mim que eu achava mais apropriado para aquela situação.

Cuidando para não parecer intimidador, falando num tom amistoso, disse que era jornalista, que trabalhava como repórter e apresentador na RBSTV, que conhecia todos os delegados de polícia, comandantes da BM, vários juízes.

Queria que ele pensasse que, se decidisse me eliminar, teria que lidar depois com uma grande repercussão e uma caçada pesada por parte das autoridades.

Enquanto eu falava, ele ouvia quieto e remexia na minha pasta de trabalho. Encontrou minha carteira e viu a identidade funcional da RBS.

- É, tô vendo aqui, tu é mesmo da RBS, tu não me mentiu!

- E porque mentiria? Daqui a pouco tudo isso acaba, tu vai pro teu lado, e eu vou pra minha casa seguir minha vida, não é?

-É isso aí. Te liga na estrada aí, meu!

Encontrou no chão do carro a mochila com os patins “rollers” das minhas duas filhas. Perguntou sobre a família. Na época eu era casado com a mãe das minhas meninas, que tinham então 9 e 5 anos.

Me senti à vontade pra perguntar da família dele, como vivia, mas sem perguntar nada que sugerisse uma tentativa de obter informações sobre onde ele pudesse ser encontrado.

E rolou um papo quase surreal. Bandido e vítima falando amenidades, mas com um revólver no meio a lembrar a realidade daquela situação.

- E tu já entrevistou bandido que nem eu?

- Muitos. Conheci inclusive o Melara. Cobri a rebelião no Central e depois o julgamento dele.

- Melara era o cara! – falou com orgulhosa admiração.

 
SOB A MIRA DA ARMA, A POUCOS METROS DE CASA
 
Entramos em Porto Alegre. Ele queria ir até um caixa eletrônico para sacar o que pudesse da minha conta.

Fomos até a agência da CEF na esquina da Múcio Teixeira com a José de Alencar, no Menino Deus. Naquela época ainda existiam as cabines que ficavam na calçada.

Estacionei. Não havia ninguém na rua. Era por volta de 23:30h. Ele reassumiu um pouco do tom ameaçador de antes.

- Desce aí que eu vou logo atrás de ti. Não faz besteira!

- Fica frio, já chegamos até aqui, não será agora que eu vou me arriscar. Relaxa!!

Eu disse aquilo num tom quase impositivo. Me sentia cada vez mais seguro para sutilmente impor alguma tranqüilidade naquela situação.

Entramos na cabine. Saquei apenas R$ 200,00. Era o máximo permitido para saques naquela hora. Uma medida adotada recentemente pelos bancos para desestimular os assaltos relâmpago.

Ele se irritou e a coisa ficou tensa de novo.

- Porra meu, só isso??

- Quer que eu tente de novo?? Então presta atenção no que a máquina vai mostrar aí na telinha!!

Repeti a operação e mostrei o aviso de negativa na tela do caixa eletrônico. Ele ficou olhando fixo para a máquina, frustrado.

- Tá, vambora, vambora, pro carro agora, vamo, vamo!!!!

Tomando o caminho para Guaíba, passei em frente à minha casa.

Naquela época eu morava na Borges de Medeiros, num daqueles edifícios altos em frente à praça do canhão, no parque Marinha do Brasil.

Sem dizer nada (óbvio), olhei pra cima e vi as luzes acesas na sacada, na sala e no quarto das meninas. E as imaginei vendo TV com a mãe, tranquilamente, pensando que eu estava em segurança num evento na cidade cujas luzes que elas podiam ver da janela, no outro lado do Guaíba.

E exatamente naquele momento, eu passava debaixo do nariz delas sob a mira de um revólver.

Ele ficou quieto a maior parte do tempo. Aquilo não me cheirava bem.

Eu tentava puxar conversa, ele respondia laconicamente e se calava.

Uma certa tensão começava a se criar novamente naquele carro.

Resolvi então me calar também, e pensar no que poderia acontecer nos próximos lances do roteiro destes dois perdidos numa noite suja.

Entrei em Guaiba e, quando estava chegando ao centro, ele se exaltou novamente.

- Cai fora daquí, no centro não, pra lá, pra lá, anda, anda, porra!!!!! Acelera esta merda aí!!!!!

- Tá, te acalma, vamos por aqui então, mas pra onde??

- Pra lá, pra lá, pra lá, ó, pra longe daqui, porra!!

Segui por uma rua que se afastava do centro. Foi quando ele disse algo que me fez mudar radicalmente de atitude.

- Segue em frente nesta rua aí, lá adiante vô encontrar uns camarada meu, nós vamo pegá eles!

Aí gelei. Não podia permitir que isso acontecesse.

Respirei fundo mais uma vez, e decidi que precisava arriscar:

- Nada disso, eu não vou pegar nenhum dos teus parceiros. Contigo eu me entendo, a gente já se conhece, tu já tem o que queria. Mas eu não vou pegar mais ninguém! De jeito nenhum!!

Quando parei de falar, quase exaltado, pensei que ele ia pular em mim e enfiar o cano do revólver na minha orelha.

Mas não.

-Tá meu, relaxa aí, dirige aí na boa. Vai por mim!

As casas foram rareando. O cenário já era quase rural. Então ele deu a ordem:

- Ó meu, tá vendo aquela lomba de areião alí, subindo o morro ali? Segue pra lá, a gente vai lá encima!

Diminui bem a velocidade pra ganhar tempo e pensar rápido na situação.

Já era uma rua de terra. Olhei adiante e vi que o caminho à frente era engolido pela escuridão.

Estávamos passando pelos últimos postes da iluminação pública.

Naquele momento eu percebi que era hora de ir para o tudo ou nada.  

Freei o carro bruscamente.

O som dos pneus se arrastando travados no areião ecoou no breu daquele lugar ermo.

E falei, sempre sem olhar pra trás, com o tom decidido de quem não tem mais nada a perder, e joga a última cartada:

- Não vou subir lá! Não vou mesmo!! Agora, sai do meu carro!! Vai na boa! Não te vi, não sei quem tu é, não vou dar queixa. Mas cai fora!! Vai pra tua vida que eu vou pra minha!

Infindáveis e apavorantes segundos de silêncio absoluto tomaram conta do ambiente naquele carro.

Agora já era, tá feito.

E seja o que Deus quiser!

Ouvi ele soltar um suspiro profundo atrás de mim, antes de dizer:

- Tá meu, me dá esta porra de óculos aí no painel. E este teu relógio aí também. Apaga a porra do farol. Assim que eu sair, tu te manda ouviu? E não olha pra mim!! Se tu me entregar eu te pego!!

Eu ainda estava cheio de adrenalina e atitude. E arrisquei retrucar em tom de aviso:

- Se tu vier atrás de mim, tu sabe que vai ser pesado pra ti, lembra tudo que eu te falei...

O sujeito saiu do carro e se foi, caminhando pela estrada morro acima calmamente, até sumir na escuridão, poucos metros adiante.

Parei no posto do ICMS antes da ponte do Guaíba, buscando um “orelhão”.

Eu havia recém me mudado, e o telefone fixo ainda não estava instalado. Tinha deixado o celular, o único da família, em casa.

Minha mulher atendeu no ato. Notei que estava assustada, mas rapidamente eu disse que estava tudo bem, e que em minutos estaria de volta em casa.

Só depois eu soube de um lance tragicômico que aconteceu enquanto eu vivia os momentos finais daquela jornada noturna.

Preocupados com a minha demora, os organizadores do evento ligaram pro meu celular.

- Boa noite. Aqui é da OD Beer, de Guaiba. Nós estamos esperando o Azeredo, mas ele não apareceu!

- Ué, ele foi praí há umas duas horas!

A pessoa do outro lado então cometeu esta pérola de sensibilidade:

- O Azeredo tem um Golf azul?

- Sim!!

- Pois é...É que houve uma tentativa de assalto aqui em frente à boate, atiraram num cliente da fila, e parece que os ladrões fugiram levando um cara num Golf azul...Mas tudo bem, não deve ser o Azeredo, né??

(Imaginem quantos Golfs azuis novinhos haveria em Guaiba, com um cara todo engravatado na direção, naquela noite, naquele momento...)

Ela desligou o telefone. Mas no mesmo segundo, entrou a minha ligação do orelhão, evitando o pânico que certamente se instalaria depois daquela desastrada ligação.

E logo eu estava na minha garagem.
Ao sair do carro, percebi que minha cabeça doía, acima do olho esquerdo. Notei então um pequeno corte. Um ferimento provocado pelo empurrão do bandido ao me abordar, fazendo com que o canto superior da porta batesse no meu rosto.

Estava de bom tamanho, perto do que poderia ter acontecido.

 

 

 

 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

SÓ NOS RESTA TORCER...E FICAR DE OLHO!

A internação compulsória de usuários de crack, que começou a vigorar hoje em SP, vai levantar muita lebre.
 
O assunto é naturalmente explosivo, pois envolve campos sempre sensíveis como direitos humanos e segurança pública.
 
A medida parece bastante autoritária, mas, analisando a dimensão da tragédia que é a proliferação do crack, e dos efeitos devastadores da droga, penso que não dá pra agir com estratégias mimimi, pra usar linguagem de Facebook.
 
Não se trata de fazer arrastão e prender todos os chapadões que estão nas ruas, até porque não teria onde colocá-los e muito menos tratá-los com dignidade e eficiência.
 
Mas o fato é que todos estes zumbis que se multiplicam exponencialmente por todo país precisam de ajuda, não só porque estão morrendo rapidamente (e arrasando familias inteiras), mas também porque são ameaça aos demais, uma vez que muitos, movidos pela dependência, vão para o crime e se transformam em assassinos totalmente sem noção.
 
A decisão de SP, antes de ser criticada ou enaltecida, deve ser analisada após algum tempo, pra se medir a eficácia com critérios, e só então ver se finalmente temos uma ação decente pra enfrentar esta praga fatal.
 
Uma coisa é certa: é preciso fazer alguma coisa urgentemente.
 
Se é politicagem ou um plano realmente consciente - e consistente - logo veremos.