quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A HORA É AGORA!


Enquanto o Brasil chora as mortes absurdas de Santa Maria, proliferam nas redes sociais e na mídia as manifestações de revolta com a insegurança das “casas noturnas”, a irresponsabilidade dos empresários e a inépcia das autoridades.

O clamor por justiça e providências se espalha com a velocidade das chamas e da fumaça venenosa que mataram em minutos 235 jovens – até agora.

A onda de indignação que corre pelo país traz uma salutar sacudida na nossa leniência.

Sim, somos todos culpados.

Somos culpados por só nos mobilizar quando o pior acontece, por deixar nossos filhos freqüentarem muitos destes lugares sem pensar no risco que eles correm.

Somos culpados por achar que os bombeiros são infalíveis em suas avaliações técnicas, e por acreditar que os tais alvarás concedidos pelas prefeituras são outorgas inquestionáveis, concedidas após draconianas análises de todos os perigos.

Os politicamente corretos que me perdoem, mas infelizmente, a nossa cultura não prima pelo amor à prevenção efetiva, aquela que sacrifica sem dó nem piedade o prazer, a diversão e até mesmo tradições, em nome da segurança absoluta e o respeito à vida.

Talvez um dia evoluamos para uma mentalidade mais pragmática, fria e justa.

Mas ainda somos inconseqüentes incorrigíveis, tolerantes com os riscos mortais que estão na nossa cara desde sempre.

Tudo porque até aquele momento não aconteceu uma tragédia como a de Santa Maria.

Tudo porque ainda não morreram os filhos de algum conhecido, ou os nossos.

Junto com a comoção geral, naturalmente exacerbada pela mídia, vem uma espécie de paranóia que deflagra um frenesí de cobranças por justiça, que não raro se transforma no que muitos gostam de chamar de “caça às bruxas”.

Tenho visto autoridades dizendo e se contradizendo, apelando para o chavão da fatalidade, desconcertadas com a pressão por respostas objetivas.

Tenho visto mil opiniões sobre o que deveria ou não deveria ter sido feito para prevenir o acontecido.

Cada brasileiro, que já era técnico de futebol, se tornou especialista em segurança da noite para o dia.

Uma avalanche de verdades esquecidas e bobagens rematadas nos inflama e nos confunde, a cada reportagem sobre as mortes na Kiss.

Vai se criando um clima que remete àquela imagem clássica da turba ensandecida com tochas e foices na escuridão em busca dos culpados.

E isso é tão ruim assim? É. Mas talvez nem tanto.

Talvez tenhamos que viver este turbilhão de emoções, de informações e desinformações, para extrair alguma lição perene desta história toda. 

É claro que neste ambiente tomado de indignação, os exageros crescem e potencializam a revolta oca, que cria o tumulto turbinado pelo clamor de justiça, mas gera mais estardalhaço que resultados efetivos e permanentes.   

Na mira da mídia, autoridades procuram demonstrar que, desta vez, vão consertar o que nunca deveriam ter deixado se deteriorar - culpando os antecessores e as falhas da lei, naturalmente; a população brada nas ruas as soluções que exige de uma vez por todas; a mídia segue o clima e dá sua contribuição de esclarecimento e confusão.
E o que sobra disso tudo?

Estamos vivendo um providencial teste para as nossas instituições.
 
Uma prova de fogo (desculpem o trocadilho inoportuno, mas não é hora de ser politicamente correto) para toda a sociedade.

Hora de arrancar o véu da conivência, hora de manter a mira nas soluções prometidas, especialmente quando a fumaça negra desta hora se dissipar e a vida voltar ao “normal”.

Muitos donos de estabelecimentos noturnos já protestam que estão sendo sacrificados pelo excesso de rigor instaurado no pós-tragédia, e talvez tenham razão, em alguns casos.

Mas a hora é agora.

Entre exageros e eventuais abusos e desmandos de fiscalização, há de nascer desta pressão toda uma nova mentalidade, que, mesmo incipiente, aponte uma nova cultura de respeito à vida.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

PERDIDO (poeminha de guri...)


Me perdoa se fui                                       (1981)

Um bocado acanhado

Pois acontece que o mal

Foi nunca ter amado

Do jeito que aconteceu

 

E me desgovernei

Tanto assim

Que ao parar pra pensar

Que tardei

Já não estavas mais aqui

E eu fiquei

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

EU VI A CARA DA MORTE, E ELA ESTAVA VIVA!


Li esta frase do Cazuza dia desses, e lembrei a ocasião em que ela me serviu perfeitamente.

Como jornalista há quase 30 anos, entrevistei criminosos de toda espécie, cobri assaltos, sequestros, rebeliões em presídios, tiroteios e outros momentos de tensão e violência em vilas e morros de Porto Alegre, e até no Complexo do Alemão, no RJ. Vi muitos cadáveres na guerra urbana entre lei e bandidagem.

Mas nada se compara ao momento em que o cano do revólver está a centímetros da nossa cabeça, na mão de um alucinado.

Foi em 1999. Começou muito rápido, como sempre é nestas horas.

Era um sábado à noite, por volta de 22h, em Guaíba.

Eu procurava vaga para estacionar numa rua próxima à casa noturna mais agitada da cidade, a OD Beer.

Fui convidado, como representante da mídia, como jurado de um concurso para escolher a garota da capa de uma publicação local, focada em acontecimentos da sociedade.

Era amigo do casal de colegas que organizou o evento.

Mas ninguém jamais me viu escolhendo a beldade da noite.

Manobrava o carro, e tive a impressão de ouvir um tiro perto dalí.

Em seguida vejo três rapazes com bonés enterrados correndo pela calçada á minha direita, vindos da direção da boate.

Mal deu tempo de juntar os fatos.

Quando pensei em sair dali, um deles correu na minha direção, de arma em punho, apontando pra mim.

Tentei sair do carro pra entregar ao assaltante, mas quando botei a perna pra fora ele me empurrou de volta pra dentro.

Abriu a porta de trás e se jogou ali aos berros. 

 - Anda, anda, arranca esta merda, cai fora daqui se não te estóro a cabeça, porra vamo, vamo, sai daqui com esta merda!!!!!

 Era a velha tática de neutralizar a vítimas metendo o pavor aos gritos e ameaças, apontando a arma e sem dar chance pra se dizer nada.

Acelerei e saímos dali.

- Anda porra, acelera, mete o pé nesta merda, vou te apagá, seu merda!!!!

Fui rodando em alta velocidade por ruas que não conhecia, seguindo um roteiro imposto histericamente pelo sujeito armado e enlouquecido no banco de trás.

Instintivamente, no meio daquela confusão toda, fui tentando organizar meus pensamentos e atitudes.

A primeira coisa que fiz foi tentar avaliar o estado psicológico do tipo, ou seja, se o sujeito que me apontava o revólver contra a cabeça estava doidão. 

Não sei de onde me veio todo este equilíbrio, mas foi assim que agi imediatamente.   

- Ok, ok, fica na boa, já estamos indo, - eu dizia nas pausas entre os gritos dele

Bandido chapado é completamente imprevisível. Age tresloucadamente e pode puxar o gatilho sem nenhum motivo, e sem se dar conta do que fez.

À medida que nos afastávamos do centro, ele passou a berrar menos. E dizia o tempo todo para eu não me virar, ou tentar vê-lo pelo retrovisor.

- Ô meu, não me olha, eu te queimo aqui mesmo!!

Para tranqüilizá-lo, virei o espelho para baixo, num ângulo que seria impossível enxergar qualquer coisa na parte de trás do carro.    

Pude notar que ele se acalmava aos poucos. Estava menos ofegante e irrequieto.

Tive a impressão que acomodou-se mais relaxado no banco de trás, pois eu não sentia mais a respiração dele perto de mim, nem a voz agressiva colada nos meus ouvidos.

Passou a falar menos. Mas queria saber sobre mim.

Eu era uma interessante vítima casual: estava bem vestido, de paletó e gravata, e dirigia um carro possante, um reluzente Golf que eu recém havia comprado, zerinho.

Respirei fundo e tomei a iniciativa da conversa.

Falei que faria o que ele quisesse, desde que não me agredisse e se mantivesse calmo. E que eu só queria voltar ileso para minha casa e minha família.

- Então fica na tua que não vai acontecer nada! Dirige aí e vamo nessa! - Rosnou o bandido, aboletado no banco traseiro.

Concluí que ele não estava drogado como eu temia. Ou pelo menos, não tanto. Não enrolava a língua, e articulava razoavelmente as palavras.

Me senti então mais seguro pra manter a iniciativa no diálogo.

Decidi tentar “ganhar” o cara no papo.

- Fica tranquilo aí atrás,  vamos resolver isso e tudo mundo fica numa boa.

Àquela altura, era só o que eu podia fazer pela minha segurança. Uma tentativa de manter, de alguma forma, o controle da situação.

Embora ele aparentasse estar menos agitado, e de não ter me agredido fisicamente em nenhum momento, nada daquilo era garantia de que as coisas não poderiam mudar de uma hora para outra.

Já tínhamos saído de Guaíba. Rumávamos agora para Porto Alegre, pela BR 116. Mantive uma velocidade constante, em torno dos 90 km/h.

Perto do pedágio, uma viatura da BM passa lentamente por nós. Pensei em mil formas de chamar a atenção, mas nenhuma delas me pareceu segura o suficiente.

De trás de mim, veio o aviso ameaçador:

- Fica frio, tu tá na minha mira...

Não havia mesmo o que fazer. Segui em frente, mantendo a velocidade. A viatura foi se afastando.

Melhor assim. Vou manter a cabeça no lugar e este cara sob “meu controle”, pensei.

Puxei conversa de novo, para dar a ele o perfil sobre mim que eu achava mais apropriado para aquela situação.

Cuidando para não parecer intimidador, falando num tom amistoso, disse que era jornalista, que trabalhava como repórter e apresentador na RBSTV, que conhecia todos os delegados de polícia, comandantes da BM, vários juízes.

Queria que ele pensasse que, se decidisse me eliminar, teria que lidar depois com uma grande repercussão e uma caçada pesada por parte das autoridades.

Enquanto eu falava, ele ouvia quieto e remexia na minha pasta de trabalho. Encontrou minha carteira e viu a identidade funcional da RBS.

- É, tô vendo aqui, tu é mesmo da RBS, tu não me mentiu!

- E porque mentiria? Daqui a pouco tudo isso acaba, tu vai pro teu lado, e eu vou pra minha casa seguir minha vida, não é?

-É isso aí. Te liga na estrada aí, meu!

Encontrou no chão do carro a mochila com os patins “rollers” das minhas duas filhas. Perguntou sobre a família. Na época eu era casado com a mãe das minhas meninas, que tinham então 9 e 5 anos.

Me senti à vontade pra perguntar da família dele, como vivia, mas sem perguntar nada que sugerisse uma tentativa de obter informações sobre onde ele pudesse ser encontrado.

E rolou um papo quase surreal. Bandido e vítima falando amenidades, mas com um revólver no meio a lembrar a realidade daquela situação.

- E tu já entrevistou bandido que nem eu?

- Muitos. Conheci inclusive o Melara. Cobri a rebelião no Central e depois o julgamento dele.

- Melara era o cara! – falou com orgulhosa admiração.

 
SOB A MIRA DA ARMA, A POUCOS METROS DE CASA
 
Entramos em Porto Alegre. Ele queria ir até um caixa eletrônico para sacar o que pudesse da minha conta.

Fomos até a agência da CEF na esquina da Múcio Teixeira com a José de Alencar, no Menino Deus. Naquela época ainda existiam as cabines que ficavam na calçada.

Estacionei. Não havia ninguém na rua. Era por volta de 23:30h. Ele reassumiu um pouco do tom ameaçador de antes.

- Desce aí que eu vou logo atrás de ti. Não faz besteira!

- Fica frio, já chegamos até aqui, não será agora que eu vou me arriscar. Relaxa!!

Eu disse aquilo num tom quase impositivo. Me sentia cada vez mais seguro para sutilmente impor alguma tranqüilidade naquela situação.

Entramos na cabine. Saquei apenas R$ 200,00. Era o máximo permitido para saques naquela hora. Uma medida adotada recentemente pelos bancos para desestimular os assaltos relâmpago.

Ele se irritou e a coisa ficou tensa de novo.

- Porra meu, só isso??

- Quer que eu tente de novo?? Então presta atenção no que a máquina vai mostrar aí na telinha!!

Repeti a operação e mostrei o aviso de negativa na tela do caixa eletrônico. Ele ficou olhando fixo para a máquina, frustrado.

- Tá, vambora, vambora, pro carro agora, vamo, vamo!!!!

Tomando o caminho para Guaíba, passei em frente à minha casa.

Naquela época eu morava na Borges de Medeiros, num daqueles edifícios altos em frente à praça do canhão, no parque Marinha do Brasil.

Sem dizer nada (óbvio), olhei pra cima e vi as luzes acesas na sacada, na sala e no quarto das meninas. E as imaginei vendo TV com a mãe, tranquilamente, pensando que eu estava em segurança num evento na cidade cujas luzes que elas podiam ver da janela, no outro lado do Guaíba.

E exatamente naquele momento, eu passava debaixo do nariz delas sob a mira de um revólver.

Ele ficou quieto a maior parte do tempo. Aquilo não me cheirava bem.

Eu tentava puxar conversa, ele respondia laconicamente e se calava.

Uma certa tensão começava a se criar novamente naquele carro.

Resolvi então me calar também, e pensar no que poderia acontecer nos próximos lances do roteiro destes dois perdidos numa noite suja.

Entrei em Guaiba e, quando estava chegando ao centro, ele se exaltou novamente.

- Cai fora daquí, no centro não, pra lá, pra lá, anda, anda, porra!!!!! Acelera esta merda aí!!!!!

- Tá, te acalma, vamos por aqui então, mas pra onde??

- Pra lá, pra lá, pra lá, ó, pra longe daqui, porra!!

Segui por uma rua que se afastava do centro. Foi quando ele disse algo que me fez mudar radicalmente de atitude.

- Segue em frente nesta rua aí, lá adiante vô encontrar uns camarada meu, nós vamo pegá eles!

Aí gelei. Não podia permitir que isso acontecesse.

Respirei fundo mais uma vez, e decidi que precisava arriscar:

- Nada disso, eu não vou pegar nenhum dos teus parceiros. Contigo eu me entendo, a gente já se conhece, tu já tem o que queria. Mas eu não vou pegar mais ninguém! De jeito nenhum!!

Quando parei de falar, quase exaltado, pensei que ele ia pular em mim e enfiar o cano do revólver na minha orelha.

Mas não.

-Tá meu, relaxa aí, dirige aí na boa. Vai por mim!

As casas foram rareando. O cenário já era quase rural. Então ele deu a ordem:

- Ó meu, tá vendo aquela lomba de areião alí, subindo o morro ali? Segue pra lá, a gente vai lá encima!

Diminui bem a velocidade pra ganhar tempo e pensar rápido na situação.

Já era uma rua de terra. Olhei adiante e vi que o caminho à frente era engolido pela escuridão.

Estávamos passando pelos últimos postes da iluminação pública.

Naquele momento eu percebi que era hora de ir para o tudo ou nada.  

Freei o carro bruscamente.

O som dos pneus se arrastando travados no areião ecoou no breu daquele lugar ermo.

E falei, sempre sem olhar pra trás, com o tom decidido de quem não tem mais nada a perder, e joga a última cartada:

- Não vou subir lá! Não vou mesmo!! Agora, sai do meu carro!! Vai na boa! Não te vi, não sei quem tu é, não vou dar queixa. Mas cai fora!! Vai pra tua vida que eu vou pra minha!

Infindáveis e apavorantes segundos de silêncio absoluto tomaram conta do ambiente naquele carro.

Agora já era, tá feito.

E seja o que Deus quiser!

Ouvi ele soltar um suspiro profundo atrás de mim, antes de dizer:

- Tá meu, me dá esta porra de óculos aí no painel. E este teu relógio aí também. Apaga a porra do farol. Assim que eu sair, tu te manda ouviu? E não olha pra mim!! Se tu me entregar eu te pego!!

Eu ainda estava cheio de adrenalina e atitude. E arrisquei retrucar em tom de aviso:

- Se tu vier atrás de mim, tu sabe que vai ser pesado pra ti, lembra tudo que eu te falei...

O sujeito saiu do carro e se foi, caminhando pela estrada morro acima calmamente, até sumir na escuridão, poucos metros adiante.

Parei no posto do ICMS antes da ponte do Guaíba, buscando um “orelhão”.

Eu havia recém me mudado, e o telefone fixo ainda não estava instalado. Tinha deixado o celular, o único da família, em casa.

Minha mulher atendeu no ato. Notei que estava assustada, mas rapidamente eu disse que estava tudo bem, e que em minutos estaria de volta em casa.

Só depois eu soube de um lance tragicômico que aconteceu enquanto eu vivia os momentos finais daquela jornada noturna.

Preocupados com a minha demora, os organizadores do evento ligaram pro meu celular.

- Boa noite. Aqui é da OD Beer, de Guaiba. Nós estamos esperando o Azeredo, mas ele não apareceu!

- Ué, ele foi praí há umas duas horas!

A pessoa do outro lado então cometeu esta pérola de sensibilidade:

- O Azeredo tem um Golf azul?

- Sim!!

- Pois é...É que houve uma tentativa de assalto aqui em frente à boate, atiraram num cliente da fila, e parece que os ladrões fugiram levando um cara num Golf azul...Mas tudo bem, não deve ser o Azeredo, né??

(Imaginem quantos Golfs azuis novinhos haveria em Guaiba, com um cara todo engravatado na direção, naquela noite, naquele momento...)

Ela desligou o telefone. Mas no mesmo segundo, entrou a minha ligação do orelhão, evitando o pânico que certamente se instalaria depois daquela desastrada ligação.

E logo eu estava na minha garagem.
Ao sair do carro, percebi que minha cabeça doía, acima do olho esquerdo. Notei então um pequeno corte. Um ferimento provocado pelo empurrão do bandido ao me abordar, fazendo com que o canto superior da porta batesse no meu rosto.

Estava de bom tamanho, perto do que poderia ter acontecido.

 

 

 

 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

SÓ NOS RESTA TORCER...E FICAR DE OLHO!

A internação compulsória de usuários de crack, que começou a vigorar hoje em SP, vai levantar muita lebre.
 
O assunto é naturalmente explosivo, pois envolve campos sempre sensíveis como direitos humanos e segurança pública.
 
A medida parece bastante autoritária, mas, analisando a dimensão da tragédia que é a proliferação do crack, e dos efeitos devastadores da droga, penso que não dá pra agir com estratégias mimimi, pra usar linguagem de Facebook.
 
Não se trata de fazer arrastão e prender todos os chapadões que estão nas ruas, até porque não teria onde colocá-los e muito menos tratá-los com dignidade e eficiência.
 
Mas o fato é que todos estes zumbis que se multiplicam exponencialmente por todo país precisam de ajuda, não só porque estão morrendo rapidamente (e arrasando familias inteiras), mas também porque são ameaça aos demais, uma vez que muitos, movidos pela dependência, vão para o crime e se transformam em assassinos totalmente sem noção.
 
A decisão de SP, antes de ser criticada ou enaltecida, deve ser analisada após algum tempo, pra se medir a eficácia com critérios, e só então ver se finalmente temos uma ação decente pra enfrentar esta praga fatal.
 
Uma coisa é certa: é preciso fazer alguma coisa urgentemente.
 
Se é politicagem ou um plano realmente consciente - e consistente - logo veremos.
 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O JUIZ NO ESPELHO



Um tanto atrapalhado, tento organizar anotações, aleatórias e acumuladas. 
E acabo olhando atravessado, fazendo cara feia, para os docs bancários sobre minha mesa de trabalho, no quarto, junto à janela castigada pela chuva.  

Ficam ali o tempo todo à espreita, sorrateiros, teimosos, tentando atrair uma visada furtiva e contrariada do meu canto de olho.

Aquela papelada insidiosa repousa desordenada e inquieta sobre as anotações onde listei, com garranchos desdenhosos, as pendências que esperam há tempos pela minha atenção e ação.

No mesmo instante, dispara na cabeça um alerta nervoso e irritante, martelando impiedosamente os compromissos que precisam ser enfrentados: pagamentos atrasados, negociações por retomar, dinheiro a buscar sabe Deus onde...

Diante do computador, no ambiente à meia luz, com a cara azulada pela tela e os olhos esgotados, amaldiçoo as circunstâncias e me penitencio como vítima das tramoias do destino.

Me vejo caminhando pelo corredor dos condenados, rumo ao cadafalso, empurrado aos trancos por carcereiros fantasmas, que riem sarcásticos.

Eles sabem porque estou ali.

No percurso sinistro, arrasto os pés murmurando minha pretensa inocência, rosnando impropérios contra os agentes do destino que acuso de serem os artífices da minha desgraça.

Meus passos pesam com os grilhões que – vou percebendo - eu mesmo  aferrei, ano após ano. E a cada metro percorrido, vou passando do papel de vítima para o de acusador.

É como se a proximidade do fim fosse revelando, aos poucos, a sequência  de equívocos que começou a ser armada lá atrás, sabe lá quantos anos.
Um enredo que costurou mil desventuras financeiras e emocionais, e assim abriu caminho para seus infinitos e dolorosos desdobramentos.

Escolhas impensadas, cálculos inverossímeis, projeções inviáveis e expectativas tão ilusórias quanto inconsistentes.
Planos engendrados com a concentração de um autista e precisão de um atirador míope.

- Não adiantou desviar o olhar do canto onde está a papelada...

Virando para o lado, caio numa armadilha: o espaço vazio perto da tela  denuncia a ausência da foto dela, expulsa do meu campo de visão há algum tempo.

Mais que a saudade da relação que ruiu, descubro que a marca deixada pela moldura no pó daquele canto é outra assinatura incontestável dos meus atos. Um sinal a reforçar o apelo da papelada do outro canto, que segue me espezinhando!

Passos mal dados geram tropeços e tombos perigosos no Banco, e no coração.  É fácil escolher negócios furados e pessoas erradas. É fácil projetar investimentos ilusoriamente atraentes, ou se deixar levar por paixões previsivelmente frustrantes.

Além disso, os disparos imprecisos em alvos incertos ao longo da vida geram efeitos colaterais, ferindo inocentes ao nosso redor.
A família e amigos acabam engrossando a lista das vítimas.  

Bem, a fatura sempre chega. E muitas vezes não há chance de renegociação. É prejuízo total mesmo. E punição. Crime e castigo.

Vem então a hora em que a gente sente a aspereza da corda raspando ardidamente no pescoço. E percebe que o caixote sob os pés balança ameaçadoramente.

Haverá um perdão salvador no último segundo, antes que o verdugo chute o caixote?  Quem vai comutar a pena que você bem sabe como e porque foi decidida? Que magnânimo magistrado recuaria na decisão, no momento derradeiro, diante de tantas provas?

O único juiz ungido para esta façanha está agora refletido no espelho que se formou ao apagar da tela do computador.  

Uma imagem turva, obscura - mas ao mesmo tempo, suficiente e implacavelmente nítida.
O vulto da única face capaz de reverter o veredito.

Mas a clemência tem preço: redenção, só pela verdadeira consciência.

E bato o martelo. Que a vida recomece.


terça-feira, 1 de janeiro de 2013

UM MATE A DOIS

Existem momentos tão simbólicos quanto estereotipados para retratar a celebração do amor entre duas pessoas – ou, pelo menos, de uma parceria boa, sem maiores envolvimentos. Ou então, para dar alguma cor à resignação de uma convivência morna e a mútua tolerância.

Entre os clichês do manual “Para curtir a dois”, há o indefectível jantar à luz de velas, o brinde com champanha sob o luar, pétalas de rosas sobre a cama, potinhos com velas coloridas e aromáticas espalhadas pela casa enquanto os dois se deliciam com aquele tinto especial antes do “vamos ver”, etc, etc...

Há também algumas bizarrices, mas isso é outra história.

Há ainda os que se satisfazem com um passeio no shopping, e um presentinho bem meia-boca celebrado depois na lambança de um Big Mac. Cada um, cada um. Ou cada dois.

Mas há outro momento (não é exatamente glamouroso, admito), mas, para alguns, como eu, tão poderoso no seu simbolismo quanto um passeio às margens do Sena na primavera – isso se o relacionamento é verdadeiro e minimamente dedicado.

É o mate a dois numa manhã de domingo.

Cabelos desgrenhados, olhos ainda meio inchados, caras um tanto amassadas, bocejos em série...

Dois corpos largados felinamente no sofá, metidos em surradas, mas deliciosamente confortáveis roupas de dormir – nada é mais confortável que aquela velha camiseta tamanho GG meio furadinha, mas macia e quente como um berço!

Música suave soando baixinho pela sala, e diálogos que vão se criando aos poucos, conforme a preguiça vai cedendo ao ânimo despertado pelas primeiras roncadas na cuia.

No começo, é um papo quase monossilábico. Que pode durar um tempão, intercalado pelo silêncio dolente entre um mate e outro. Afinal, pressa pra quê? É uma manhã de domingo depois de uma agradável noite de corpos colados na cama.

Melhor ainda, claro, se for depois de uma noite caliente...

O que importa é que, naquele momento, que pode não ter lá muito charme, paire sobre os dois aquela verdadeira comunhão que só conhece quem valoriza estas situações.

Da rua, vem às vezes um latido longínquo, um que outro sabiá piando na vizinhança, vozes isoladas de crianças traquinas, o rolar esporádico de pneus no asfalto.

E ali no sofá, a cuia passa de uma mão para outra, levando no bocal dourado o gosto e o calor das bocas que há pouco se tocaram sonolenta e suavemente ainda nos travesseiros.

Na paz daquela sala com sossego de templo budista, falam sobre tudo e sobre nada, impressões sobre um filme, uma notícia qualquer na capa do jornal dominical recolhido no capacho da porta de entrada, e que virou uma bagunça de páginas espalhadas no tapete.

Bocejos, agora mais espaçados, pontuam as falas já mais desenvoltas. A preguiça vai dando lugar a uma ainda renitente vontade de fazer alguma coisa, mas...

A cabeça sucumbe e pousa, quase desabando, sobre o ombro ao lado... O corpo, que parecia ganhar disposição, se rende de novo à gostosa letargia desta manhã de domingo.

E as roupas rotas e macias de dormir novamente se fundem no sofá, no silêncio daquela celebração tão viva.

Os dois, à deriva naquela assumida e teimosa modorra, só precisam de mais um mate, e mais um...

Melhor que isso, só se tiver uma chuvinha fina lá fora.
Aí então, fica uma beleza!

Mas viver o paraíso desta moleza cúmplice impõe algum sacrifício...

E agora? Quem vai até a cozinha esquentar mais água?