Enquanto o Brasil chora as mortes absurdas de Santa Maria,
proliferam nas redes sociais e na mídia as manifestações de revolta com a
insegurança das “casas noturnas”, a irresponsabilidade dos empresários e a
inépcia das autoridades.
O clamor por justiça e providências se espalha com a
velocidade das chamas e da fumaça venenosa que mataram em minutos 235 jovens –
até agora.
A onda de indignação que corre pelo país traz uma salutar
sacudida na nossa leniência.
Sim, somos todos culpados.
Somos culpados por só nos mobilizar quando o pior acontece,
por deixar nossos filhos freqüentarem muitos destes lugares sem pensar no risco
que eles correm.
Somos culpados por achar que os bombeiros são infalíveis em
suas avaliações técnicas, e por acreditar que os tais alvarás concedidos pelas
prefeituras são outorgas inquestionáveis, concedidas após draconianas análises
de todos os perigos.
Os politicamente corretos que me perdoem, mas infelizmente,
a nossa cultura não prima pelo amor à prevenção efetiva, aquela que sacrifica
sem dó nem piedade o prazer, a diversão e até mesmo tradições, em nome da
segurança absoluta e o respeito à vida.
Talvez um dia evoluamos para uma mentalidade mais
pragmática, fria e justa.
Mas ainda somos inconseqüentes incorrigíveis, tolerantes com
os riscos mortais que estão na nossa cara desde sempre.
Tudo porque até aquele momento não aconteceu uma tragédia
como a de Santa Maria.
Tudo porque ainda não morreram os filhos de algum conhecido,
ou os nossos.
Junto com a comoção geral, naturalmente exacerbada pela
mídia, vem uma espécie de paranóia que deflagra um frenesí de cobranças por
justiça, que não raro se transforma no que muitos gostam de chamar de “caça às
bruxas”.
Tenho visto autoridades dizendo e se contradizendo, apelando
para o chavão da fatalidade, desconcertadas com a pressão por respostas
objetivas.
Tenho visto mil opiniões sobre o que deveria ou não deveria
ter sido feito para prevenir o acontecido.
Cada brasileiro, que já era técnico de futebol, se tornou
especialista em segurança da noite para o dia.
Uma avalanche de verdades esquecidas e bobagens rematadas
nos inflama e nos confunde, a cada reportagem sobre as mortes na Kiss.
Vai se criando um clima que remete àquela imagem clássica da
turba ensandecida com tochas e foices na escuridão em busca dos culpados.
E isso é tão ruim assim? É. Mas talvez nem tanto.
Talvez tenhamos que viver este turbilhão de emoções, de informações e
desinformações, para extrair alguma lição perene desta história toda.
É claro que neste ambiente tomado de indignação, os exageros
crescem e potencializam a revolta oca, que cria o tumulto turbinado pelo clamor
de justiça, mas gera mais estardalhaço que resultados efetivos e permanentes.
Na mira da mídia, autoridades procuram demonstrar que, desta
vez, vão consertar o que nunca deveriam ter deixado se deteriorar - culpando os
antecessores e as falhas da lei, naturalmente; a população brada nas ruas as
soluções que exige de uma vez por todas; a mídia segue o clima e dá sua
contribuição de esclarecimento e confusão.
E o que sobra disso tudo?
Estamos vivendo um providencial teste para as nossas
instituições.
Uma prova de fogo (desculpem o trocadilho inoportuno, mas não é
hora de ser politicamente correto) para toda a sociedade.
Hora de arrancar o véu da conivência, hora de manter a mira
nas soluções prometidas, especialmente quando a fumaça negra desta hora se
dissipar e a vida voltar ao “normal”.
Muitos donos de estabelecimentos noturnos já protestam que
estão sendo sacrificados pelo excesso de rigor instaurado no pós-tragédia, e
talvez tenham razão, em alguns casos.
Mas a hora é agora.
Entre exageros e eventuais abusos e desmandos de
fiscalização, há de nascer desta pressão toda uma nova mentalidade, que, mesmo
incipiente, aponte uma nova cultura de respeito à vida.
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