terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

AS GRANDES PAUTAS QUE FELIZMENTE NÃO COBRI


Uma das grandes frustrações que carrego como jornalista (pelo menos até agora) é não ter coberto uma guerra.

Os grandes conflitos, que representam a síntese da humanidade (e da desumanidade), tem algo de irresistivelmente atraente para jornalistas - em que pese toda a tragédia que envolve estes acontecimentos.

A história do mundo é pontuada e pautada pelas guerras, desde sempre. E para um jornalista de linha de frente, sentir o calor do front é algo sublime.

Não se trata de sadismo ou da morbidez atávica de todos nós. É simplesmente a oportunidade única de ser testemunha e relator de um momento histórico.

Isso, para jornalistas, não tem preço.

Já cobri eventos que muitos colegas mais afoitos classificaram como “cenário de guerra”.

Eu não ousaria tratar aqueles fatos assim, diante da dimensão e do significado de um conflito armado de verdade.

O curioso é que, embora nunca tenha estado em um campo de batalha, sinto que, para mim, o impacto de ver os mortos em combate não seria tão devastador como em outras situações, de amplitude muito menor, mas potencialmente  avassaladoras do ponto de vista da constatação da tragédia e da dor.

E, algumas vezes, fiquei muito feliz por não ter trabalhado em pautas de grande impacto jornalístico.

Como o incêndio que matou 12 crianças numa creche em Uruguaiana, em 2000.

Quando a notícia chegou à redação da RBSTV, me escalaram para a matéria. Mas eu já tinha saído da emissora, e a chefia de reportagem não conseguiu me localizar a tempo para me enfiar com a equipe num avião fretado. 

Em meu lugar, foi a repórter Luciana Kraemer, junto com o repórter cinematográfico Jair Alberto. Ambos, como eu, integravam o núcleo Rede Globo.

Se eu tivesse ido, teria feito a matéria com todos seus aspectos, como meus colegas fizeram, para todo o país. Mas certamente guardaria na memória para sempre a imagem das crianças carbonizadas, abraçadas umas nas outras num canto da sala calcinada. 

Uma lembrança terrível que jamais me abandonaria. Não seria um trauma, mas um fantasma incômodo a me perseguir insistente e eternamente, ainda mais que sou pai de duas filhas.

Depois que se tem filhos, a sensibilidade à morte muda dramaticamente. Antes, eu contemplava cadáveres mutilados com a naturalidade de um legista. Depois de ser pai, acidentes com vítimas ou chacinas envolvendo crianças e jovens passaram a me tocar muito mais. 

Como atualmente não estou vinculado a nenhum veículo de comunicação, não cobri o horror de Santa Maria.

O incêndio da Kiss rendeu uma pauta de impressionante repercussão mundo afora. Uma oportunidade rara para colegas experientes porem à prova sua capacidade de equilíbrio emocional e profissional, e de crescimento e amadurecimento pessoal para os novatos envolvidos na cobertura.

Mas certamente todos voltarão para casa marcados para sempre, por tudo que viram e pelos relatos dolorosos dos amigos, familiares e sobreviventes.

Como jornalista, talvez pudesse lamentar não ter tido a oportunidade de me envolver na cobertura de um fato de tamanho impacto.

Mas depois de ter testemunhado tanta dor e tristeza em quase 30 anos de profissão, desta vez me senti feliz por não estar mais ao alcance das escalas de reportagem.

Tal como na vez em que fui poupado pelo destino de ver as crianças de Uruguaiana.  E que agora me poupou de ver as jovens vítimas de Santa Maria, baixas da eterna, insana e inócua  guerra brasileira contra a irresponsabilidade e a impunidade.

2 comentários:

  1. Cheguei a sentir na pele as angustias relatadas.. Em outro aspecto, não sabia q a sensibilidade quanto a condição humana mudava nos homens depois da paternidade.. imagina que isso acontecia apenas na maternidade... por isso que gosto de "ler pessoas" ..

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  2. A gente muda sim, pois as crias são vidas que vieram da gente.Ok, é obvio dizer, mas a sensibilidade materna é diferente e mais intensa, por tudo que sabemos. Mas pai que é pai sabe o quanto assombra o medo de que algo parecido com as tragédias do dia a dia aocnteça com seus rebentos, né? Bjo!

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