Uma das grandes frustrações que carrego como jornalista (pelo menos até agora) é não ter coberto uma guerra.
Os grandes conflitos, que representam a síntese da
humanidade (e da desumanidade), tem algo de irresistivelmente atraente para
jornalistas - em que pese toda a tragédia que envolve estes acontecimentos.
A história do mundo é pontuada e pautada pelas guerras,
desde sempre. E para um jornalista de linha de frente, sentir o calor do front
é algo sublime.
Não se trata de sadismo ou da morbidez atávica de todos nós.
É simplesmente a oportunidade única de ser testemunha e relator de um momento
histórico.
Isso, para jornalistas, não tem preço.
Já cobri eventos que muitos colegas mais afoitos classificaram
como “cenário de guerra”.
Eu não ousaria tratar aqueles fatos assim, diante da
dimensão e do significado de um conflito armado de verdade.
O curioso é que, embora nunca tenha estado em um campo de
batalha, sinto que, para mim, o impacto de ver os mortos em combate não seria
tão devastador como em outras situações, de amplitude muito menor, mas
potencialmente avassaladoras do ponto de
vista da constatação da tragédia e da dor.
E, algumas vezes, fiquei muito feliz por não ter trabalhado
em pautas de grande impacto jornalístico.
Como o incêndio que matou 12 crianças numa creche em
Uruguaiana, em 2000.
Quando a notícia chegou à redação da RBSTV, me escalaram
para a matéria. Mas eu já tinha saído da emissora, e a chefia de reportagem não
conseguiu me localizar a tempo para me enfiar com a equipe num avião
fretado.
Em meu lugar, foi a repórter Luciana Kraemer, junto com o
repórter cinematográfico Jair Alberto. Ambos, como eu, integravam o núcleo Rede
Globo.
Se eu tivesse ido, teria feito a matéria com todos seus
aspectos, como meus colegas fizeram,
para todo o país. Mas certamente guardaria na memória para sempre a imagem das
crianças carbonizadas, abraçadas umas nas outras num canto da sala
calcinada.
Uma lembrança terrível que jamais me abandonaria. Não seria
um trauma, mas um fantasma incômodo a me perseguir insistente e eternamente,
ainda mais que sou pai de duas filhas.
Depois que se tem filhos, a sensibilidade à morte muda
dramaticamente. Antes, eu contemplava cadáveres mutilados com a naturalidade de
um legista. Depois de ser pai, acidentes com vítimas ou chacinas envolvendo
crianças e jovens passaram a me tocar muito mais.
Como atualmente não estou vinculado a nenhum veículo de
comunicação, não cobri o horror de Santa Maria.
O incêndio da Kiss rendeu uma pauta de impressionante
repercussão mundo afora. Uma oportunidade rara para colegas experientes porem à
prova sua capacidade de equilíbrio emocional e profissional, e de crescimento e
amadurecimento pessoal para os novatos envolvidos na cobertura.
Mas certamente todos voltarão para casa marcados para sempre,
por tudo que viram e pelos relatos dolorosos dos amigos, familiares e
sobreviventes.
Como jornalista, talvez pudesse lamentar não ter tido a
oportunidade de me envolver na cobertura de um fato de tamanho impacto.
Mas depois de ter testemunhado tanta dor e tristeza em quase
30 anos de profissão, desta vez me senti feliz por não estar mais ao alcance
das escalas de reportagem.
Tal como na vez em que fui poupado pelo destino de ver as
crianças de Uruguaiana. E que agora me
poupou de ver as jovens vítimas de Santa Maria, baixas da eterna, insana e
inócua guerra brasileira contra a
irresponsabilidade e a impunidade.
Cheguei a sentir na pele as angustias relatadas.. Em outro aspecto, não sabia q a sensibilidade quanto a condição humana mudava nos homens depois da paternidade.. imagina que isso acontecia apenas na maternidade... por isso que gosto de "ler pessoas" ..
ResponderExcluirA gente muda sim, pois as crias são vidas que vieram da gente.Ok, é obvio dizer, mas a sensibilidade materna é diferente e mais intensa, por tudo que sabemos. Mas pai que é pai sabe o quanto assombra o medo de que algo parecido com as tragédias do dia a dia aocnteça com seus rebentos, né? Bjo!
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